O salto do inseto:
Superando as barreiras do mercado para alimentar o futuro
Num mundo a braços com a degradação ambiental e uma crescente pressão sobre os sistemas alimentares globais, uma revolução biotecnológica está discretamente a tomar forma. Os insetos, muitas vezes desconsiderados, emergem como uma resposta concreta e com base científica às necessidades da humanidade – uma fonte de proteína sustentável, de baixo impacto e incrivelmente versátil. Não se trata apenas de um novo ingrediente; trata-se de uma nova cadeia de valor e de uma bioeconomia verdadeiramente circular, pronta para transformar tudo, desde a alimentação humana e animal à cosmética, bioplásticos e fertilizantes. Portugal, através da Agenda Mobilizadora InsectERA, está na vanguarda desta transição, galvanizando a ciência, a indústria e o mercado europeus para o desenvolvimento de soluções inovadoras baseadas em insetos. Embora a comunidade científica tenha já começado a abrir o caminho para a bioindústria do inseto, permanecem desafios de mercado significativos, desde a limitada consciencialização do consumidor até à complexidade da produção em larga escala. Leia mais sobre como o Food Behaviour Lab, parceiro do InsectERA, está a ajudar a superar estes obstáculos, pavimentando o caminho para um futuro alimentar mais resiliente e sustentável.
Num contexto de degradação ambiental e de pressão sobre os sistemas alimentares globais, a bioindústria dos insetos emerge como uma resposta concreta, cientificamente fundamentada. Fornecedora de proteína, com baixo impacto ecológico e altamente versátil, a nova cadeia de valor do inseto representa uma verdadeira revolução biotecnológica. Em Portugal, a Agenda Mobilizadora InsectERA posiciona-se como catalisador desta transição, galvanizando a ciência, a indústria e o mercado para desenvolver soluções inovadoras baseadas em insetos que vão desde a alimentação humana e animal à cosmética, passando pelos bioplásticos e pela biorremediação.
A ciência tem vindo a apontar este caminho, mas é preciso ultrapassar os desafios do mercado. A criação em larga escala de insetos para aplicação na alimentação animal e humana, bem como para utilização como matéria-prima em diferentes setores industriais, constitui uma atividade ainda emergente no contexto europeu, apesar do seu elevado potencial em termos de sustentabilidade e inovação. Entre os múltiplos obstáculos enfrentados estão a ainda limitada abertura de novos mercados para produtos derivados de insetos e a perceção negativa ou desconhecimento acerca destes produtos que caracteriza a maior parte da grande distribuição e dos consumidores.
No domínio da alimentação humana, a resistência dos consumidores ao consumo de produtos à base de insetos edíveis continua a ser um entrave significativo, ainda que essa relutância tenda a atenuar-se progressivamente, à medida que aumenta a familiaridade com este tipo de alimentos. Isto acontece sobretudo quando a presença de insetos não é visualmente percetível na formulação final ou se encontra integrada a montante da cadeia de valor alimentar, na alimentação composta para animais.
MOBILIZAR PARA MUDAR
Iniciada em janeiro de 2023, a Agenda Mobilizadora InsectERA tem sido o principal instrumento em Portugal para a aproximação das empresas e dos consumidores ao potencial dos insetos como matéria-prima em diferentes indústrias. A InsectERA está inserida no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) português, sendo liderada pela Ingredient Odyssey (Entogreen) e coordenada a nível científico pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), a entidade pública portuguesa de referência na investigação científica aplicada nas áreas da agricultura, alimentação, floresta e sanidade animal.
Com 43 milhões de euros de investimento, a InsectERA pretende abranger todo o ciclo de inovação, desde a Investigação e Desenvolvimento até ao fabrico e comercialização de produtos no mercado, assente em métodos de produção tecnologicamente avançados. Para isso junta atores de toda a cadeia de valor que pretendem explorar o potencial dos insetos como ferramenta Bioindustrial em diversas áreas. A Agenda definiu objetivos ambiciosos como produzir e comercializar em larga escala produtos derivados de insetos para a alimentação animal e humana, cosmética, bioplásticos e biorremediação, com isso desenvolvendo mais de uma centena de novos produtos, processos e serviços; criar até 150 novos postos de trabalho diretos; implantar três grandes instalações dedicadas à criação e processamento de insetos, uma fábrica para a produção de quitosano e um centro logístico associado; criar centros de formação (Insect Training Network) e empreendedorismo (Insectopreneur Center) e posicionar Portugal como referência global na emergente bioindústria do inseto.
As áreas estratégicas da InsectERA distribuem-se por quatro eixos verticais: InFood - insetos na alimentação humana (com uma meta superior a15 produtos); InFeed - insetos para a alimentação animal (com uma meta superior a 8 produtos); InIndustry - matérias-primas para cosmética, bioplásticos e outras aplicações, como quitosano, óleo ou proteínas; InBiorremediation - insetos para tratamento/degradação de resíduos. Existem ainda três eixos transversais a todas as atividades da Agenda: InFrass - produção de fertilizantes orgânicos a partir de dejetos de insetos; One Health - avaliação da segurança e impacto ambiental/saúde animal e humana dos produtos desenvolvidos; In2Market - apoio à entrada no mercado (regulatório, marketing, ciclo de vida e comunicação).
Esta Agenda Mobilizadora congrega, em consórcio, 41 parceiros empenhados na criação de uma nova bioindústria europeia sediada em Portugal, que responda aos desafios globais colocados pelas metas do desenvolvimento sustentável, em particular os associados à produção e ao consumo alimentar.

DESBLOQUEANDO O MERCADO PARA OS INSETOS
Não há indústria sem mercado, nem bioindústria sem adesão dos consumidores. As atividades do Eixo In2Market pretendem apoiar o desenvolvimento e a comercialização dos produtos desenvolvidos pela Agenda InsectERA, focando-se na remoção das barreiras à entrada no mercado e na resolução dos desafios de comercialização enfrentados pelos diferentes parceiros. O Food Behaviour Lab da CATÓLICA-LISBON School of Business & Economics, na Universidade Católica Portuguesa, liderou ao longo dos últimos dois anos e meio os estudos de Análise de Mercado e Planeamento da Comercialização dos Eixos Food, Feed e Industry, tendo como parceiros a Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica no Porto, o Instituto Superior Técnico, a SenseTest – Sociedade de Estudos de Análise Sensorial, o Auchan Retail Portugal e os laboratórios colaborativos Colab4Food, B2E Blue Economy e FeedInov.



O principal objetivo da Análise de Mercado foi a avaliação da oferta e da procura pelos vários tipos de produto à base de inseto manufaturados pelos parceiros na Agenda. No âmbito desta atividade, foram segmentados e caracterizados os principais mercados europeus de consumo e identificadas as melhores oportunidades para desenvolvimento e lançamento de novas ofertas no mercado.
Para estimar e caracterizar a oferta, as investigadoras do Food Behaviour Lab procederam, em colaboração com uma equipa do Colab4Food, à análise dos lançamentos e dos preços alcançados por novos produtos à base de inseto para alimentação humana e de animais de companhia no mercado Europeu, bem como da sua evolução na última década. Este estudo baseou-se em informação de mercado recolhida por bases de dados comerciais entre 2014 e 2024.
Os snacks destacaram-se como o segmento com maior número de lançamentos de produtos à base de inseto no período analisado, seguidos dos cereais e da nutrição desportiva. Observou-se ainda um crescimento sustentado nos lançamentos de produtos de panificação e cremes para barrar. Já categorias mais recentes no mercado apresentam pior performance, como os produtos substitutos da carne e as refeições e acompanhamentos prontos. Os produtos lançados apresentaram, maioritariamente, um posicionamento associado à conveniência e à saúde passiva (ex.: alto teor em proteína), seguidos por alegações éticas, o que reflete uma crescente preocupação com a sustentabilidade e o impacto social.
Em paralelo, os snacks/petiscos e a alimentação seca para cães lideraram os lançamentos no mercado para animais de companhia. A alimentação húmida para cães e a alimentação seca para gatos foram, no entanto, as categorias com maior crescimento na Europa. Já os suplementos para cães e gatos bem como os snacks para gatos estiveram em queda no mercado, embora a crescente humanização dos animais de companhia possa vir a reverter esta tendência. Entre as alegações que sustentam o lançamento de novos produtos, a de alto teor em proteína foi a mais frequente. A conveniência e a praticidade da embalagem tiveram ainda um papel significativo na oferta destes produtos, havendo igualmente uma clara aposta na comunicação de vantagens como a hipoalergenicidade e a melhoria da saúde digestiva e da pele. Finalmente, a sustentabilidade da produção da alimentação para os animais de companhia foi também uma alegação relevante no contexto do mercado europeu para produtos de inseto.
Para estimar e caracterizar a procura, adotaram-se metodologias de análise de dados secundários, como a revisão sistemática e a meta-análise da evidência científica publicada, para além da realização de estudos do consumidor para recolha de dados primários, em parceria com empresas do consórcio. Os indicadores analisados foram as preferências dos consumidores europeus e as respetivas predisposições a pagar por produtos derivados, direta ou indiretamente, da integração de insetos.
Os resultados revelaram que a aceitação do conceito dos insetos como espécies “cultiváveis” para fins de produção, processamento, comercialização e, sobretudo, consumo alimentar humano permanece a derradeira barreira a ultrapassar para a consolidação desta nova bioindústria, colocando enormes exigências de educação, formação, inovação técnica e criatividade. Assim, é notório que:
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A aceitação dos alimentos à base de insetos por parte dos consumidores europeus é baixa, traduzindo-se numa procura muito limitada por este tipo de produtos;
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A aceitação dos insetos enquanto ingrediente para a alimentação animal é superior à sua utilização como matéria-prima na alimentação humana, sendo os requisitos da legislação europeia muito menos exigentes no que toca aquele tipo de aplicações;
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As melhores perspetivas de sucesso encontram-se na comercialização de rações para a aquacultura, a avicultura, nomeadamente a produção de ovos de galinha, e animais de companhia, mercados em que o distanciamento psicológico em relação ao consumo dos insetos é superior, atenuando a aversão inata que maior parte dos consumidores europeus tem a esta prática. Neste âmbito, existem mesmo segmentos bastante promissores nos quais os consumidores poderão estar dispostos a pagar mais por produtos derivados da utilização dos insetos do que pelas alternativas convencionais;
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Os cosméticos, os alimentos desportivos e os suplementos para alimentação humana são igualmente áreas promissoras para o uso de insetos;
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Regra geral, os consumidores europeus poderão estar dispostos a pagar um prémio por produtos alimentares à base de inseto que ofereçam vantagens nutricionais, de saúde e de dieta saudável e equilibrada, mas não por aqueles que proporcionem somente ganhos de sustentabilidade ambiental ou autossuficiência em proteína.
Face a estes resultados, destaca-se a importância da sensibilização e educação para os benefícios e o potencial de mercado da utilização de insetos na alimentação composta e na produção animal para o mercado alimentar. Neste sentido, preconiza-se que deve ser dada prioridade à comunicação e à colaboração com os atores da cadeia de produção alimentar e a grande distribuição, especialmente aqueles mais abertos à inovação e ao lançamento de novos produtos. Para alavancar o setor será, no entanto, necessário continuar a segmentar os mercados, posicionar os produtos e orientar as campanhas.
E O QUE PENSAM AS EMPRESAS?
Com o objetivo de determinar quais as principais barreiras e oportunidades de mercado para a manufatura e comercialização de produtos de inseto identificadas pelos diversos atores empresariais, as investigadores do Food Behaviour Lab, em colaboração com equipas do FeedInov e B2E, realizaram 40 entrevistas estruturadas com representantes das cadeias de valor da alimentação humana, alimentação composta para animais e cosmética/cosmética médica, englobando desde empresas produtoras até à indústria transformadora e ao retalho.
A principal barreira destacada pelos atores da cadeia de valor foi a fraca e muito volátil procura por ingredientes e produtos finais à base de inseto. Relativamente ao uso de insetos como ingrediente na alimentação humana e animal, foram destacadas a ainda escassa disponibilidade da matéria-prima e a consequente instabilidade dos seus preços. Já noutro tipo de indústrias, como por exemplo a cosmética, onde os produtos finais utilizam apenas uma pequena fração dos insetos e têm maior valor agregado, estas barreiras foram desconsideradas.
No que toca às barreiras à oferta de novos alimentos, foram realçadas a falta de informação sobre o potencial de mercado dos produtos à base de inseto nas várias categorias, a atual legislação ainda largamente desfavorável à utilização de espécies edíveis e suas frações no desenvolvimento e comercialização de novos alimentos e a complexidade associada à rotulagem dos produtos finais. Por outro lado, o desconhecimento sobre o impacto do uso de insetos na saúde e bem-estar animal foi considerado um importante obstáculo no setor da alimentação composta.

Os atores das cadeias de valor entrevistados identificaram também quais os principais riscos que se colocam à consolidação da bioindústria do inseto na Europa, bem como estratégias relevantes de mitigação dos mesmos e o impacto esperado na produção e comercialização de produtos à base de insetos em Portugal. A atual fraca aceitação destes produtos foi o principal risco apontado em todos os setores, exceto nas indústrias dos fertilizantes e biorremediação, tendo sido a hipótese de uma crise de saúde pública envolvendo a produção, a comercialização ou consumo de insetos igualmente considerada um risco grave.
Foi ainda notado que o enquadramento legal para aplicações na área dos fertilizantes permanece bastante desfavorável. Já os representantes das indústrias alimentar, farmacêutica e cosmética se revelaram mais otimistas quanto à evolução do quadro legal dos seus setores. Quanto à indústria da alimentação composta, nomeadamente para a aquacultura – um mercado ainda pouco explorado –, foi notória a incerteza quanto às vantagens dos produtos à base de insetos para o rendimento e bem-estar dos animais. Questão semelhante foi levantada pelos representantes das indústrias farmacêutica e cosmética, mas desta feita quanto aos benefícios para a saúde e bem-estar dos consumidores.
Ficou claro a partir das entrevistas realizadas que o investimento em tecnologia, o reforço das competências internas e as parcerias com outros atores na cadeia de valor são vistas como estratégias fundamentais para a gestão do risco neste setor emergente. A isto acresce o investimento em estudos de mercado e comunicação, particularmente nas indústrias da alimentação composta, farmacêutica, cosmética e fertilizantes.
Estes resultados evidenciam a necessidade de uma abordagem mais coordenada ao longo da cadeia de valor para promover o crescimento e a consolidação da bioindústria de insetos em Portugal.
TRAZER OS INSETOS PARA O PRATO
Face ao desconhecimento, ao potencial de mercado e à necessidade de comunicar sobre a proteína de inseto e sobre os produtos que estão a ser desenvolvidos e a chegar aos consumidores, a Feira Nacional da Agricultura - FNA 2025 -, que teve lugar entre 7 e 15 de junho de 2025, revelou-se uma excelente montra para apresentar os resultados alcançados pela Agenda InsectERA. Ao longo dos nove dias da feira, para além de participar nos diversos eventos informativos e atividades, milhares de pessoas puderam contactar - muitas pela primeira vez - com a proteína alternativa à base de inseto. Foi possível provar vários produtos alimentares contendo farinha de inseto: biscoitos, muffins, barras proteicas, chocolates e outras iguarias, com provas abertas ao público. Foi igualmente possível degustar pratos sofisticados preparados com grilo doméstico e farinha de tenébrio por chefs de renome, acompanhados com vinhos selecionados.

A presença da InsectERA na FNA 2025 distinguiu-se pelo envolvimento do seu vasto consórcio (41 entidades) em ações vocacionadas para sensibilização pública e empresarial. Para além de Showcookings e harmonização de vinhos, os vários eixos da Agenda promoveram diversos colóquios, por exemplo sobre processamento e aplicações de insetos na alimentação humana ou a utilização de fertilizante orgânico de insetos, neste caso da mosca soldado-negro, para nutrir os solos de forma mais natural e sustentável.


Entre as diversas iniciativas, destaca-se o colóquio: “Insetos na Alimentação: O presente e o futuro do mercado”, onde a Professora da CATÓLICA-LISBON School of Business & Economics e líder do Food Behaviour Lab, Ana Isabel Costa, apresentou o estudo do “Mercado Alimentar Europeu para a Proteína de Inseto”; Bruna Filipa Faria, investigadora da CATÓLICA-LISBON School of Business & Economics e do Food Behaviour Lab, apresentou outros resultados da Agenda InsectERA: “Alimentação Animal - Consumo Sustentável no Mercado Europeu”; o Professor Rui Costa Lima, da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto e da SenseTest, apresentou o estudo “Análise Sensorial e Perceção de Produto: Superando Desafios no Desenvolvimento de Produtos com Insetos” e a Professora Maria Manuela Pintado, da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade do Porto falou de “O Futuro da Indústria Alimentar: Insetos e Outras Proteínas Alternativas”.
O colóquio terminou com a realização de uma esclarecedora mesa-redonda sobre os atuais desafios e oportunidades de negócio para a bioindústria do inseto, na qual participaram representantes das empresas nacionais Tecmafoods, Pet Maxi, Cricket Farming e Auchan Retail Portugal, para além do Colab4Food.
Do colóquio resultaram quatro ideias-chave sobre o futuro dos insetos na alimentação:
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A integração de insetos comestíveis na dieta humana é uma mudança de comportamento alimentar ainda com muito pouca aceitação entre os consumidores Europeus - sobretudo por desconhecimento -, pelo que é essencial aumentar a oferta, estimulando a prova dos novos produtos e educando os consumidores; o envolvimento daqueles que já consomem este tipo de produto como seus embaixadores junto do resto da população terá um papel fundamental na redução da aversão e na promoção da prova;
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Há potencial de mercado para a integração de proteína de inseto na alimentação em segmentos específicos, nomeadamente no fabrico de snacks, produtos para nutrição desportiva, na panificação e noutros produtos à base de cereais; estas aplicações transformam o inseto inteiro numa farinha proteica “normalizada” e elevam o valor nutricional das ofertas finais;
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Nesta fase inicial de desenvolvimento dos mercados de consumo para alimentação, deve apostar-se na integração da proteína de inseto em produtos familiares com elevado valor hedónico (prazer) ou utilitário (conveniência, performance), dado que isto reduz o risco e aumenta o envolvimento e o interesse do consumidor pelas ofertas; neste âmbito, a otimização do perfil sensorial dos novos produtos é essencial ao sucesso no mercado, sendo que este pode ser ainda potenciado pela obtenção de certificação nas áreas de qualidade alimentar e sustentabilidade;
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É vital acelerar a criação de marcas para alimentos à base de insetos: Neste âmbito, é importante celebrar o inseto sem o mostrar tal qual é, mas contando a sua história e as vantagens que o seu uso oferece aos consumidores, à sociedade e à economia de forma autêntica, genuína e transparente; a criação de uma personagem, com personalidade e identidade próprias, que seja sentida como próxima, um amigo, poderá ser uma boa estratégia para fomentar o envolvimento com a marca; finalmente, permanece importante segmentar o mercado, tirar partido das diferentes ocasiões de consumo, das influências sociais e do interesse dos consumidores mais jovens.
Na opinião da Professora Ana Isabel Costa, que coordenou o colóquio:
"A FNA 2025 excedeu todas as nossas expectativas como plataforma para divulgar os resultados da Agenda InsectERA, principalmente os da Análise de Mercado conduzida pelo Food Behaviour Lab. Ver a reação esmagadoramente positiva do público à degustação de produtos inovadores à base de insetos, e o seu profundo interesse e envolvimento nos nossos eventos, confirma que a mudança para proteínas sustentáveis não é apenas necessária, mas desejada. É caso para dizer que o futuro da alimentação passa por Santarém por estes dias".

O II Congresso InsectERA foi outro momento alto da presença desta Agenda Mobilizadora na FNA 2025. Este evento internacional de carácter científico reuniu mais de 60 apresentações de trabalhos e mais de 250 participantes, em grande medida graças ao envolvimento da IPIFF - International Platform of Insects for Food and Feed. Estiveram ainda presentes cerca de 20 empresas de vários países europeus num palco que, de acordo com o Presidente do Comité Executivo InsectERA, Daniel Murta, terá juntado em Santarém “mais de 90% da capacidade produtiva de produtos derivados de inseto”, o que, em seu entender, “tornou esta cidade na Capital Europeia do setor, pelo menos durante um dia”. As investigadoras do Food Behaviour Lab marcaram presença neste congresso com a apresentação de um póster científico descrevendo os resultados de uma análise dos principais riscos que se colocam à consolidação da bioindústria do inseto na Europa, do ponto de vista das empresas, bem como das estratégias relevantes para a mitigação dos mesmos e o impacto esperado na produção e comercialização de produtos à base de insetos em Portugal.
PORTUGAL MOSTRA O CAMINHO
Em conclusão, podemos dizer que a Agenda Mobilizadora InsectERA demonstra que Portugal tem hoje não só a ambição, mas também a capacidade de se afirmar como um hub europeu desta nova economia biológica, estando a construir os alicerces de novas cadeias de valor que aliam sustentabilidade, inovação e competitividade. A consolidação da bioindústria do inseto no nosso país passará por três eixos fundamentais:
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Educação e comunicação estratégica: A mudança de paradigma no consumo alimentar exige um esforço coordenado de exposição e sensibilização, onde o foco deverá estar simultaneamente no crescente uso dos insetos na alimentação animal e na criação de marcas com identidade forte, empática e pedagógica para novos produtos alimentares integrando proteína de inseto. O inseto pode - e deve - ser celebrado, mas sem confronto visual, e sim como um aliado funcional, nutritivo e amigo do ambiente;
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Valorização industrial e diversificação de aplicações: A versatilidade dos insetos permite aplicações que vão muito além da alimentação. Cosméticos, suplementos nutricionais, bioplásticos, fertilizantes e soluções de biorremediação devem ser desenvolvidos com foco em segmentos de mercado onde o valor agregado justifique o investimento, sendo o setor industrial nacional particularmente estratégico neste processo de valorização transversal;
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A consolidação e o crescimento da bioindústria dos insetos em Portugal dependerão finalmente da capacidade das empresas envolvidas para atrair investimento, impulsionar a adaptação do enquadramento regulatório e integrar o setor nas estratégias nacionais e europeias de sustentabilidade, segurança alimentar e transição ecológica.
As atividades de análise de mercado e planeamento de comercialização levadas a cabo pelo Food Behaviour Lab/CATÓLICA-LISBON para a Agenda InsectERA oferecem uma base sólida para orientar os parceiros na seleção e desenvolvimento de novos produtos, segmentação dos consumidores e entrada eficiente nos mercados. Neste sentido, a InsectERA não é apenas mais um projeto; é um verdadeiro modelo de transição económica e ecológica em curso. O desafio agora é garantir que, terminado o apoio do programa PRR, esta visão prospere, inspire outras geografias e, sobretudo, conquiste a confiança de consumidores e investidores.
Não sendo ainda uma opção alimentar intuitiva, tudo indica que a proteína de inseto será uma escolha inevitável no futuro. Mas isto não vai acontecer num bater de asas.
FEITO FORA, COMIDO EM CASA
Os hábitos de consumo alimentar em Portugal refletem uma crescente preferência por refeições de confeção não doméstica, com dois terços das refeições consumidas a resultarem da produção ou preparação fora de casa.
Embora o consumo de refeições preparadas fora do ambiente doméstico cresça de forma progressiva à medida que o rendimento do agregado familiar sobe, a preferência por este tipo de refeições é comum a todos os escalões de rendimento.
O estudo revela que o pequeno-almoço e o lanche são as refeições que os portugueses mais compram ou consomem fora de casa, enquanto o jantar é a mais consumido em contexto doméstico. Ao almoço, mais de metade das nossas refeições são produzidas fora de casa, seja na indústria alimentar, na restauração coletiva ou em restaurantes e similares.
O estudo mostra ainda que os agregados portugueses com maior rendimento tendem a recorrer mais à restauração comercial, enquanto os de menor rendimento recorrem mais ao consumo de refeições caseiras, mas mais frequentemente preparadas por familiares e amigos do que pelos próprios. Isto ilustra o impacto do nível de rendimento nas escolhas alimentares das famílias portuguesas.
Em suma, estes resultados demonstram que o consumo alimentar em Portugal é fortemente condicionado por fatores económicos e sociais, refletindo padrões distintos de alimentação nos diferentes grupos da população.
COMO COMEMOS CONTRIBUI PARA A SAÚDE E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Uma parte importante do estudo é dedicada à relação entre os hábitos de confeção e consumo de refeições e a saúde dos portugueses. A análise dos dados revela que fatores como o local de consumo, o tipo de refeição e o tempo dedicado à sua preparação influenciam significativamente a qualidade da dieta e o estado nutricional da população. Além disso, aspetos como o rendimento, o género e a composição familiar desempenham um papel importante na forma como os portugueses se alimentam.
Os resultados demonstram que um elevado consumo de refeições preparadas fora de casa ou por terceiros pode afastar a dieta dos adultos portugueses do padrão alimentar da dieta mediterrânica, padrão esse que se mantém mais próximo quando a alimentação é feita em casa. Contudo, os impactos do local e da origem das refeições variam consoante a idade e o nível de atividade física.
Comparando Portugal com outros países como Bélgica, Reino Unido e Estados Unidos, observa-se que cozinhar em casa está frequentemente associado a uma alimentação mais equilibrada. No entanto, o tempo dedicado à confeção de refeições pode ter implicações no Índice de Massa Corporal (IMC), sendo que, em alguns casos, cozinhar mais tempo está ligado a uma maior prevalência de obesidade.
Outra descoberta importante do estudo é o impacto do rendimento na dieta através das preferências por locais de preparação e consumo das refeições. Por exemplo, o segmento dos portugueses adultos com maior preferência pelo consumo de refeições preparadas fora de casa apresenta menor aderência ao padrão alimenta da dieta mediterrânica, mas também engloba menos frequentemente indivíduos obesos ou com baixo rendimento. Já o segmento daqueles que consomem sobretudo refeições confecionadas pelos próprios em casa contém mais pessoas com maior índice de massa corporal e baixos rendimentos.
A investigação destaca também os desafios associados ao estudo da alimentação e saúde em Portugal. A irregularidade na recolha de dados sobre consumo alimentar e o acesso limitado a inquéritos sobre hábitos de refeição dificultam uma análise mais aprofundada e a formulação de políticas de saúde pública eficazes. A comparação com países que dispõem de dados mais acessíveis reforça a necessidade de uma abordagem mais estruturada e contínua na monitorização dos hábitos alimentares da população portuguesa.
A análise do comportamento alimentar é igualmente um instrumento indispensável para avaliar se as práticas dos cidadãos estão em consonância com os compromissos internacionais e para identificar as áreas onde se pode promover uma intervenção mais eficaz, orientada para o bem-estar e a sustentabilidade, como definidos pela Organização das Nações Unidas, no quadro global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), particularmente o ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável – e o ODS 3 – Saúde e Bem-Estar.
As Nações Unidas, em colaboração com organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), têm enfatizado a necessidade de uma abordagem integrada à alimentação saudável. O estudo aqui apresentado revela como as caraterísticas sociais, familiares, laborais e económicas impactam as refeições que fazemos, tanto no conteúdo, quanto na forma, permitindo uma comparação entre as metas internacionais e a realidade nacional.
CONHECER PARA AVANÇAR
Este estudo sobre os hábitos alimentares dos portugueses revela que, apesar da maioria das refeições serem consumidas em casa, a confeção e consumo alimentar fora do lar têm um peso significativo na dieta, sobretudo ao pequeno-almoço e lanche. O local das refeições influencia a qualidade da dieta, sendo as refeições em cantinas escolares ou restaurantes de locais de trabalho mais benéficas do que as em restauração comercial.
Fatores socioeconómicos, como rendimento e escolaridade, determinam os padrões de consumo: famílias de menor rendimento e residentes em zonas rurais consomem mais refeições em casa, enquanto indivíduos com maior rendimento e escolaridade recorrem mais à alimentação fora do lar. A relação entre despesa alimentar e consumo externo varia com a economia, sendo menor em períodos de crise.
A confeção doméstica de refeições reflete desigualdades de género e status social. Mulheres, especialmente as sem emprego remunerado, assumem a maior parte dessa responsabilidade. Já os jovens de maior rendimento dedicam menos tempo à cozinha, valorizando a conveniência e o convívio social.
Curiosamente, a confeção caseira não está diretamente associada a uma melhor gestão do peso, sendo a obesidade mais comum entre quem cozinha regularmente. Fatores como rendimento, literacia alimentar e de saúde, tempo disponível e acesso a escolhas saudáveis influenciam essa relação. Para muitas famílias portuguesas, o equilíbrio entre compromissos profissionais, educativos e outras atividades de lazer torna-se um desafio constante. A investigação sobre o seu consumo alimentar deve, assim, considerar não só as preferências e os hábitos individuais, mas também as estruturas temporais e organizacionais que influenciam as decisões diárias. Essa análise permite identificar barreiras e potenciais intervenções que possam facilitar a adoção de práticas alimentares mais saudáveis, mesmo em contextos de escassez de tempo.
O estudo reforça ainda a necessidade de aprofundar a análise dos comportamentos alimentares, distinguindo padrões entre dias úteis e fins de semana, e considerando as diferenças de género e estatuto socioeconómico na relação com a alimentação e a saúde.
Os estudos que investigam o comportamento alimentar constituem um instrumento fundamental para a elaboração de políticas públicas. Os dados obtidos sobre “como comemos e o que comemos” permitem a governos e decisores políticos identificar tendências, desafios e sobretudo oportunidades para melhorar várias áreas da vida dos portugueses. Contribuem para a formulação de estratégias que promovam a literacia alimentar, melhorem o acesso a alimentos de qualidade, reforcem as infraestruturas que suportam a produção e distribuição de alimentos saudáveis e promovam a flexibilização de horários de trabalho que permitam uma maior conciliação entre vida profissional e pessoal, entre outros. Com base neles pode promover-se não apenas a saúde, mas também a justiça social e o desenvolvimento sustentável e reforçar o compromisso do Estado com a sustentabilidade, a equidade e a saúde dos seus cidadãos, alinhando as ações nacionais com os desafios globais.
Importa ainda dizer que os estudos que investigam o comportamento alimentar constituem um instrumento fundamental para a elaboração de políticas públicas. Nomeadamente, a realização regular de inquéritos sobre uso do tempo, despesa alimentar e consumos alimentares é essencial. Países como Bélgica, Reino Unido e EUA, onde os resultados destes estudos são acessíveis ao público, lideram a investigação sobre as refeições e os seus efeitos na vida das pessoas, na economia do país e na saúde das populações. Em Portugal, a irregularidade da realização de inquéritos de âmbito nacional e a falta de acesso público aos dados resultantes limitam a investigação neste domínio, sendo urgente mudar essa situação para melhor apoiar a ciência e as políticas públicas.