SUSINCHAIN:
A entrada dos insetos na cadeia alimentar europeia
A criação de insetos em larga escala para a produção de ingredientes para a alimentação animal e humana é talvez a maior e mais radical transformação a ter lugar na agricultura neste momento. Mas estaremos nós, enquanto consumidores, preparados para ela? O que sabemos afinal sobre o valor nutricional e a sustentabilidade desta nova fonte de proteína? Ou sobre os seus modos de produção na Europa? Que produtos estão já a ser desenvolvidos para os mercados dos diferentes países, e qual se prevê que seja o seu grau de aceitação? Como promover o seu consumo para reduzir a nossa dependência do consumo da carne? E como chegou Portugal à vanguarda desta revolução alimentar? Baseado nos diferentes estudos que desenvolvemos para o projeto Europeu SUSINCHAIN entre 2019 e 2023, respondemos a estas e outras questões sobre o futuro dos insetos na nossa alimentação.
As reações à inclusão de insetos na dieta humana continuam a ser muito marcadas por resistência e relutância, na Europa. No entanto, os insetos são uma alternativa alimentar promissora tanto para humanos como para animais, alinhando-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especialmente em termos de segurança alimentar e consumo sustentável. Ricos em proteínas, gorduras insaturadas, vitaminas e minerais, os insetos apresentam uma pegada ambiental reduzida, com emissões mínimas de gases com efeito de estufa e baixo uso de terra, sobretudo se alimentados com subprodutos agrícolas.
Cerca de dois mil milhões de pessoas consomem tradicionalmente insetos, principalmente na Ásia, América Latina e do Sul, e há mais de 2.000 espécies comestíveis mas, na Europa, existem barreiras regulatórias e culturais a esta prática alimentar. A legislação europeia exige autorização própria para a comercialização de insetos comestíveis, o que torna o processo de comercialização moroso e complexo, mas os regulamentos de 2018 e 2021 começaram já a abrir o caminho para o uso de proteínas de insetos, tanto para alimentação humana como animal.
O caminho permanece, no entanto, repleto de desafios e obstáculos, sendo a aceitação pelo consumidor um dos mais significativos, devido à resistência cultural e às perceções de repulsa. Apesar do interesse crescente pelo consumo de insetos enquanto alimentos exóticos ou gourmet, são ainda sobretudo os empreendedores individuais ou pequenas empresas a liderar o setor, enquanto as grandes marcas alimentares ainda hesitam em investir devido aos custos elevados e aos riscos de imagem.
Para escalar o mercado, é essencial aumentar a confiança dos consumidores, identificar fatores que promovem a aceitação dos insetos enquanto alimento e adaptar estratégias consoante o perfil dos diferentes segmentos de consumidores. A União Europeia e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura apoiam o desenvolvimento da produção de insetos com investimentos e políticas para enfrentar desafios alimentares e ambientais globais a serem implementadas pelo mundo inteiro.
O projeto SUStainable INsect CHAIN (SUSINCHAIN), financiado pelo programa Horizonte 2020 da União Europeia, decorreu entre 2019 e 2023 com o objetivo de contribuir para o fornecimento de novas proteínas para a alimentação animal e humana na Europa, ultrapassando as barreiras à viabilidade económica da cadeia de valor da produção de insetos.

Dos objetivos específicos do SUSINCHAIN constaram:
• O desenvolvimento de modelos de negócio para a comercialização de proteínas de inseto de alta qualidade;
• O fomento da criação comercial de insetos em larga escala com melhoramento contínuo;
• A implementação em grande escala de tecnologias de transporte e de transformação de insetos em instalações industriais;
• A realização de investigação para garantir um desempenho ótimo dos animais alimentados a insetos e a qualidade dos produtos finais para
a alimentação humana;
• O teste da incorporação de alimentos à base de insetos nas refeições diárias dos consumidores europeus;
• A criação de ferramentas para controlar eficazmente a segurança dos produtos à base de insetos;
• A melhoria do sistema de apoio à decisão para a indústria de insetos;
• A garantia da sustentabilidade ambiental;
• A sensibilização e o aumento da confiança dos consumidores.
No âmbito deste projeto, foram desenvolvidas, testadas e demonstradas novas tecnologias bem como os seus produtos e processos. Assim se procurou fornecer os conhecimentos e os dados necessários para que os intervenientes na cadeia de valor da produção de insetos possam diminuir o preço de custo dos seus produtos, processar os insetos de forma mais eficiente, e comercializar aplicações de proteínas de insetos para dietas animais e humanas que sejam seguras e sustentáveis. O objetivo foi abrir caminho a uma maior expansão e comercialização do setor europeu dos insetos, tendo em vista a substituição de 10% das proteínas animais por proteínas de insetos nos alimentos para animais e de 20% nos regimes alimentares humanos, assim como alcançar um aumento de mil vezes nos volumes de produção e nos postos de trabalho em 2025.

O SUSINCHAIN mobilizou um consórcio de 35 parceiros, entre universidades, institutos, empresas e associações empresariais, de 14 países, com o compromisso de executar um plano de atividades assente em nove pacotes de trabalho. A Universidade Católica Portuguesa (UCP) integrou este consórcio sob a liderança da CATÓLICA-LISBON School of Business and Economics e com a colaboração da Escola Superior de Biotecnologia (UCP Porto). Neste âmbito, as investigadoras do Food Behaviour Lab lideraram ou colaboraram na execução de tarefas de investigação pertencentes ao primeiro (Oportunidades de Mercado e Aceitação pelo Consumidor) e ao quinto (Insetos na Dieta Humana Regular) pacotes de trabalho, para além de participarem em atividades de exploração, comunicação e divulgação dos resultados do projeto.
RUMO A MODELOS DE NEGÓCIO LUCRATIVOS E SUSTENTÁVEIS
A primeira atividade levada a cabo pelas Investigadoras do Food Behaviour Lab no âmbito do SUSINCHAIN foi a colaboração no desenvolvimento de modelos de negócio para a comercialização de proteínas de insetos para alimentação na Europa, uma vez que, apesar da contínua evolução tecnológica e das melhorias regulamentares, a maioria dos intervenientes na cadeia de valor da produção de insetos continua a enfrentar vários desafios e incertezas sobre quais as melhores estratégias a aplicar neste setor.
Para determinar o modo como os diversos intervenientes na cadeia de valor da produção de insetos na Europa – criadores, transformadores, fabricantes de rações e produtores alimentares – percecionam a importância dos obstáculos a ultrapassar e dos riscos a enfrentar nesta indústria, bem como para identificar as estratégias de gestão de risco que aplicam, foi concebido e administrado um inquérito online a uma amostra de 57 representantes de empresas. No total, foram avaliadas 60 barreiras e riscos diferentes, bem como 20 estratégias diferentes de gestão de risco.
As barreiras e os riscos financeiros, de custos e de mercado foram considerados como os mais importantes pelas empresas inquiridas, referindo-se especificamente à falta de investimento e à incerteza que marca tanto os preços das matérias-primas como a procura. Além disso, as restrições legais foram consideradas como limitadoras das oportunidades de expansão em todas as etapas da cadeia de valor. Já os obstáculos relativos à segurança dos trabalhadores e à segurança alimentar foram geralmente considerados menos importantes.
Apontaram-se como principais estratégias de gestão de risco a adotar os investimentos em tecnologias que assegurem uma maior estabilidade da qualidade e da quantidade de insetos e produtos derivados colocados no mercado. Acresce que as empresas inquiridas se mostraram apenas moderadamente otimistas quanto à futura redução dos riscos operacionais e financeiros, de custos e de mercado.
Finalmente, foram recomendados o incremento das oportunidades de financiamento e a expansão das autorizações para a utilização de diferentes substratos de crescimento, no âmbito de modelos de negócios baseados na economia circular, de modo a promover a produção de um conjunto mais vasto de ingredientes à base de insetos para alimentação animal e humana de alta qualidade na Europa.

PROTEÍNA DE INSETO AINDA NÃO CONVENCE O CONSUMIDOR PORTUGUÊS
Os resultados da segunda atividade realizada pelas investigadoras do Food Behaviour Lab para o SUSINCHAIN mostram que os insetos comestíveis ainda têm um longo caminho a percorrer até ao prato dos europeus, nomeadamente dos portugueses.
Um inquérito relativo às preferências do consumidor europeu por alimentos substitutos da carne à base de proteína de inseto e por produtos de carne de animais alimentados com proteína de inseto foi concebido e administrado online a amostras de consumidores adultos na Alemanha (n=516), Itália (n=502) e Portugal (n=505) entre 2021 e 2022. Este estudo incluiu um desenho experimental longitudinal (discrete choice experiment) para avaliar as preferências, bem como um tratamento experimental transversal (exposição a informação sobre as vantagens da integração de insetos para a sustentabilidade versus valor nutricional dos produtos). Foram aplicados modelos de classes latentes para categorizar os consumidores com base nas suas decisões de compra, sendo ainda investigadas as opiniões dos inquiridos que consistentemente rejeitaram as opções à base de insetos, denominados “opositores”.

Os resultados destacam os desafios ainda a enfrentar para se alcançar uma ampla aceitação dos alimentos à base de insetos na Europa, mas sugerem igualmente potenciais estratégias a adotar como a segmentação dos consumidores mais recetivos e a promoção do consumo indireto de proteína de inseto através do seu uso como ingrediente em rações na produção animal.
A integração de proteína de insetos (farinha de larvas de tenébrio ou de grilos domésticos) em alimentos que visam substituir a carne às refeições – almôndegas de frango no caso deste estudo – foi largamente rejeitada pelos consumidores europeus inquiridos, com estes a favorecer mais a integração de proteína vegetal (de ervilha) ou a utilização de carne proveniente de frangos alimentados com insetos. Ainda assim, valores negativos de disposição a pagar foram registados para todas estas opções nos três países inquiridos, com a exceção da integração de proteína vegetal na Alemanha e Itália. Deve ainda salientar-se que os consumidores revelaram uma forte preferência por produtos com certificação biológica e produzidos na União Europeia, estando por isso dispostos a pagar mais por ofertas com estas características.
A exposição a informação sobre os benefícios para a sustentabilidade da substituição da carne por proteína de inseto na dieta humana reduziu significativamente a rejeição dos alimentos derivados do uso de insetos, sobretudo das almôndegas feitas de carne de frango alimentado a insetos, entre os consumidores alemães e italianos. Já entre os consumidores portugueses, observou-se que a exposição a informação sobre o elevado teor de proteína e o valor nutricional dos alimentos produzidos com insetos comestíveis aumentou significativamente a preferência pelas almôndegas feitas com larva de tenébrio.
A análise de classes latentes aplicada às respostas dos consumidores portugueses permitiu distinguir entre as classes daqueles claramente relutantes quanto ao consumo de alimentos integrando insetos – quer de forma direta quer de forma indireta, através das rações –, das restantes, relativamente mais indiferentes a esta inovação. Caraterísticas sociodemográficas, hábitos alimentares e atitudes individuais emergiram assim como fatores determinantes das diferentes preferências, com a prática do vegetarianismo/veganismo, a suscetibilidade ao nojo alimentar, a presença de crianças no agregado familiar e a idade a aumentar a probabilidade de rejeição de alimentos derivados do uso de insetos e, portanto, a discriminarem significativamente entre classes. Por outro lado, fatores com o género e a educação demonstraram ter menor impacto.
O estudo revelou ainda que, entre os participantes portugueses, um maior nível de confiança na indústria alimentar se encontra significativamente associado a uma maior preferência por substitutos da carne derivados da utilização de insetos, quer de forma direta quer de forma indireta. Por outro lado, a falta de confiança afeta sobretudo a preferência por almôndegas feitas com carne de frango alimentado com insetos, seguida pelas almôndegas preparadas com farinha de grilo doméstico e, em menor grau, as contendo farinha de larvas de tenébrio. Já o grau de confiança na região de origem dos produtos não teve impacto significativo nas preferências.
De modo geral, as experiências prévias ou mesmo alguma familiaridade com o consumo de insetos comestíveis determinaram uma maior preferência pelo consumo de almôndegas contendo tanto farinha de grilos domésticos como de larvas de tenébrio. Por outro lado, a falta de experiência com estas práticas alimentares resultou em níveis mais elevados de repugnância e aversão. Isto sugere que dar aos consumidores a oportunidade de provar insetos comestíveis e alimentos derivados pode ser um fator determinante em escolhas futuras de insetos como alimento, explicando porque entre os consumidores portugueses, por exemplo, se observou uma menor rejeição das almôndegas preparadas com farinha de larvas de tenébrio, o ingrediente alimentar de inseto mais popular no mercado nacional para aplicação em produtos à base de cereais.
Uma parte substancial dos participantes portugueses no estudo (58%) nunca optaria por comprar almôndegas derivadas da integração de insetos, quer direta (farinha de grilo doméstico ou de larva de tenébrio) ou indiretamente (nas rações dos frangos), sendo assim classificados como opositores ao seu consumo. Esta percentagem elevada era esperada dada a baixa aceitação destas práticas alimentares documentada na Europa.
Ainda assim, foram identificados alguns argumentos que poderiam persuadir os opositores portugueses a experimentar produtos alimentares à base de insetos, nomeadamente alegações relativas ao valor nutricional dos insetos (“Os insetos são ricos em proteínas e minerais”). Já entre os opositores alemães e italianos, e em linha com os resultados da exposição à informação já descritos, as alegações de sustentabilidade comparativamente à produção de carne (menor utilização de recursos naturais e menos emissões de gases com efeito de estuda) demonstraram ser tanto ou mais persuasivas. Independentemente do país do estudo, alegações sobre a adequação do consumo de alimentos à base de inseto a um estilo de vida moderno (“Comer insetos está na moda e pertence a um estilo de vida urbano global”) foram sempre as menos convincentes.

Aos restantes participantes no estudo foi pedido que indicassem outros tipos de alimentos à base de insetos comestíveis que considerassem experimentar, para além das almôndegas. Em Portugal, a salsicha preparada com proteína de inseto foi o produto mais frequentemente apontado, enquanto o pão achatado foi o menos escolhido. Relativamente às espécies de insetos que poderiam ser consideradas, o grilo doméstico foi indicado como a espécie com maior probabilidade de escolha e as larvas de tenébrio como aquela com menor probabilidade. Isto sugere que a adequação das espécies de insetos comestíveis ao tipo de produto é relevante para a aceitação do consumidor, sendo as larvas de tenébrio consideradas mais adequadas para alimentos à base de cereais e o grilo doméstico para os substitutos de carne.
Globalmente, este estudo revelou que, embora a aceitação dos insetos como ingrediente alimentar substituto da carne permaneça ainda muito baixa na Europa, a aceitação do consumo de carne de frango alimentado com insetos é relativamente maior, ainda exigindo a prática de preços mais acessíveis em comparação com o frango alimentado com cereais. Revela igualmente que os consumidores europeus valorizam a certificação biológica dos produtos alimentares e a sua produção dentro do espaço comunitário. A informação sobre a sustentabilidade e o valor nutricional dos produtos à base de insetos, bem como uma maior confiança e a experiência prévia com estes, influenciam muito positivamente as preferências dos consumidores e reduzem a probabilidade da rejeição. Para os opositores, em particular, as alegações de sustentabilidade ou de elevado valor nutricional são as narrativas mais convincentes, dependendo da sua nacionalidade. Entre os produtos e espécies edíveis em particular, a salsicha e o grilo doméstico apresentam o maior potencial de aceitação pelos consumidores portugueses no que toca a produtos substitutos da carne, enquanto o pão achatado e as larvas de tenébrio serão as opções menos preferidas para a introdução de proteína de inseto na dieta.
IMPULSIONANDO A MUDANÇA DOS HÁBITOS ALIMENTARES
Com o intuito de promover uma mudança de hábitos alimentares através da redução do consumo de carnes vermelhas e processadas às refeições, substituindo-as por alimentos inovadores à base de insetos e leguminosas, foram desenhadas e implementadas três intervenções comportamentais na fase final do SUSINCHAIN, uma na Dinamarca (n=40 díades progenitor(a)/filho(a)) e duas em Portugal, uma liderada pelas investigadoras do Food Behaviour Lab (n=66 casais jovens) – a ChangeEat! – e outra pela Universidade do Porto/SenseTest (n=58 casais). As intervenções, cada uma com a duração de 6 semanas, incluíram o preenchimento de inquéritos e diários alimentares, a participação em provas de análise sensorial, a confeção e o consumo em casa, ao jantar, de vários produtos contendo proteína de inseto ou vegetal em substituição da carne, bem como o registo e a avaliação destes consumos.
A intervenção ChangeEat! teve lugar na região norte de Portugal entre outubro de 2022 e abril de 2023, contando com a participação informada de 66 jovens casais (18-40 anos) consumidores regulares de carne. Nela se começou por estudar a forma como os participantes percecionavam as caraterísticas sensoriais de cinco molhos para massas à bolonhesa – feitos com 100% de carne vermelha (bovina e suína), proteína vegetal (soja ou ervilha) ou proteína de insetos edíveis (grilos domésticos ou larvas de tenébrio) –, e de que modo isso afetava as suas preferências por estes produtos. Os ensaios de avaliação sensorial tiveram lugar em sala de provas, tendo os molhos sido provados com esparguete cozido. No entanto, o tipo de proteína presente em cada um dos molhos não foi divulgado aos participantes. Como seria de esperar, o molho à base de carne foi geralmente o mais apreciado, mesmo se muitos participantes não conseguiram identificar corretamente este produto. Ainda assim, e com a exceção de um picado feito com farinha de larva de tenébrio, todos os produtos em teste foram apreciados de forma ligeira a moderada.

A repugnância percecionada afetou negativamente as avaliações tanto de alguns molhos à base de proteína de inseto como de outros à base de proteína vegetal. Outros, no entanto, beneficiaram de fórmulas que realçaram o seu sabor e os atributos sensoriais típicos de um molho para massas. Além disso, os molhos cujo sabor se aproximou mais ao de um típico molho de tomate foram os mais apreciados. Observou-se também que quando os participantes esperavam sentir o sabor da carne – dado a textura da soja, por exemplo, ter aparência semelhante à da carne picada –, e isso não acontecia, acabavam por não gostar tanto do produto.
As reações aos molhos em teste variaram muito entre os participantes. Diferentes preferências pelo sabor picante, por exemplo, moderaram os efeitos da substituição da carne na apreciação dos produtos. As mulheres e os consumidores habituais de produtos à base de proteína vegetal apreciaram mais a bolonhesa de picado de ervilha, de sabor mais doce e suave, do que a tradicional bolonhesa com carne picada. De igual modo, os homens e os apreciadores de carne gostaram de uma bolonhesa de picado de soja, com sabor pungente e picante, mais do que da receita tradicional com carne.
Foram finalmente identificadas algumas características dos consumidores com impacto nas suas preferências pelos substitutos da carne, tais como o perfil sociodemográfico, os padrões de consumo de carne, a preocupação com a alimentação saudável e a sensibilidade ao nojo alimentar. Isto leva a concluir que o tipo de proteína alternativa à carne utilizado – inseto ou vegetal – é apenas uma das variáveis que influencia o modo como os consumidores avaliam a qualidade sensorial dos alimentos substitutos da carne e, portanto, as suas preferências neste domínio. Outras igualmente importantes, das quais a indústria alimentar pode tirar partido, são os seus gostos idiossincráticos e expetativas, a sua sensibilidade ao nojo alimentar, os seus padrões de dieta e as suas atitudes face aos vários hábitos e costumes alimentares.
Na segunda fase da intervenção ChangeEat!, os casais participantes puderam, eles próprios, preparar e provar os novos molhos para bolonhesa – assim como outros produtos à base de proteínas alternativas como crackers, salsichas ou falafel –, em casa durante seis semanas. Para o efeito, metade dos casais recebeu, de forma aleatória, um cabaz de produtos à base de proteína de inseto ou vegetal, com alguns acompanhamentos e outros ingredientes básicos, a cada duas semanas, bem como sugestões de receitas. As suas atividades ao longo das seis semanas da intervenção consistiram na confeção e consumo dos produtos em teste, no registo e avaliação de três jantares semanais com os mesmos, e na participação em novas provas de avaliação sensorial ao final, para avaliação dos efeitos da exposição repetida aos produtos.

“A evidência científica resultante das intervenções realizadas mostra que a criação de oportunidades para os jovens casais experimentarem, gratuitamente, no seu quotidiano, uma oferta diversificada de produtos alimentares inovadores – que se configurem como uma alternativa segura, saudável, nutritiva, saborosa e fácil de preparar relativamente às carnes vermelhas e processadas – é uma das formas mais eficazes de reduzir o consumo destas no longo prazo”, explica a Investigadora Principal do Food Behaviour Lab e uma das coordenadoras da intervenção, Ana Isabel de Almeida Costa.
“O nosso objetivo”, acrescenta a coordenadora, “é que o uso destas novas proteínas passe a ser normal nas famílias, com a passagem destes hábitos de consumo às gerações seguintes. Acreditamos que os produtos têm de entrar nos hábitos, nas rotinas e, por isso, tentamos alavancar a dinâmica do casal, porque sabemos que o elemento feminino tem mais preocupação com imagem corporal e não dá tanto valor à carne, tornando mais fácil a redução do consumo de carne – principalmente de carnes vermelhas – e a introdução de alternativas. Já o elemento masculino tem normalmente uma apetência maior pelo consumo de carne, sendo a substituição mais difícil para ele, mas tem também uma grande vontade de experimentar coisas novas e de enfrentar o desafio de provar alimentos exóticos. Estando os casais jovens a desenvolver rotinas próprias e gostos em comum, tentámos fazer com que a experiência de participar no ChangeEat! fosse uma partilha interessante para os dois, para que eles pudessem aprender juntos a gostar das novas proteínas, de modo que o seu consumo passe a ser normal e rotineiro, e assim se passem estes bons hábitos alimentares também às futuras gerações”.


A intervenção realizada na Dinamarca pelo SUSINCHAIN, no qual participaram igualmente as investigadoras do Food Behaviour Lab, envolveu díades de pais ou mães e um primeiro filho entre os 6 e os 8 anos. As crianças consumiram as mesmas receitas, com os mesmos ingredientes que os adultos. As famílias receberam, igualmente de forma aleatória, um cabaz de produtos baseado em proteína de insetos ou vegetal para substituir a carne nas refeições três vezes por semana, durante seis semanas, com o objetivo de substituir 20% da ingestão de proteína de carne por semana. Verificou-se, no entanto, que nenhum dos grupos conseguiu atingir a meta de substituição semanal de carne. No grupo com o cabaz à base de insetos, adultos e crianças atingiram uma média de reposição semanal de carne de 5,5% e 2,3%, respetivamente. Já no grupo com o cabaz à base de proteína vegetal, adultos e crianças substituíram 9,0% e 4,3%, respetivamente. Ambos os grupos conseguiram ainda assim reduzir ligeiramente a ingestão de proteína de carne, mas sobretudo através da diminuição da frequência semanal de refeições de carne, não das quantidades consumidas a cada refeição. Contrariamente ao esperado, a aceitação dos produtos tanto de proteína de inseto como de proteína vegetal foi diminuindo ao longo das várias experiências de consumo e com o aumento da familiaridade. Em qualquer dos casos, a aceitação dos produtos com proteína vegetal foi sempre globalmente superior à daqueles com proteína de inseto.
Portugal é um país onde a gastronomia apresenta uma enorme variedade de ingredientes e sabores, e onde as tradições culinárias estão bastante arreigadas. Assim, fomentar nos jovens o gosto pelo consumo de proteínas alternativas à carne é fundamental, tanto mais que a Balança Alimentar Portuguesa de 2020 estima que 21% da ingestão média diária de calorias em Portugal provém do consumo de carne, o que representa mais de quatro vezes a quantidade recomendada pela Roda dos Alimentos. Em particular, e de acordo com os resultados do último Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF 2015-2016), cada adulto português consome, em média, perto de 100 gramas de carnes vermelhas e processadas diariamente. Este valor excede largamente o recomendado para uma alimentação equilibrada - 28 gramas diários -, e ainda mais o sugerido pelas Nações Unidas para uma alimentação saudável a partir de sistemas alimentares sustentáveis - 14 gramas diários.
O DESAFIO COLOSSAL DE ALIMENTAR O MUNDO NAS PRÓXIMAS DÉCADAS
A Corial Foods (antes Portugal Bugs) surgiu em 2016 como a primeira empresa em Portugal a produzir e comercializar alimentos com proteína de inseto, como barras energéticas, chocolate, granolas, bolachas, massas ou farinha. Além disso, comercializa ainda caixas com insetos inteiros desidratados, temperados com sal, tomate e orégãos, tomilho e pimenta, entre outras opções, que posicionam no mercado como snacks que se “integram de forma natural no dia a dia do consumidor”. Já a Thunder Foods, fundada em 2021, dedica-se à produção de proteína de inseto como ingrediente para a indústria alimentar, bem como a Tecmafoods, fundada em 2022, que combina esta área com a produção de ingredientes para a alimentação animal. Finalmente, a Entogreen, fundada em 2014, é uma empresa portuguesa inteiramente vocacionada para a produção de insetos em larga escala para a alimentação animal com base em processos circulares, que tiram partido de subprodutos agrícolas como o bagaço de azeitona.
Estas empresas nacionais estão entre as pioneiras de um caminho sem retorno na busca de soluções que garantam a alimentação mundial e a preservação do planeta. O crescente aumento da população suscita preocupações quanto à capacidade que teremos de produzir alimentos em ainda maior escala e ao mesmo tempo garantir o acesso de todos a uma alimentação suficiente, saudável e sustentável. As projeções indicam um desafio colossal, com um aumento previsto de 70% na necessidade global de alimentos até 2050, em comparação com 2009. Este aumento da procura, particularmente de proteínas de origem animal, tem consequências prejudiciais para o ambiente, incluindo o aumento das emissões de gases com efeito de estufa, a utilização de água, o consumo de energia e a utilização dos solos.
A FAO declarou os insetos comestíveis como um dos alimentos do futuro, proporcionando uma fonte de proteínas segura, saudável, nutritiva, saborosa e sustentável, com potencial para alimentar centenas de milhões de europeus.
Os insetos são altamente eficientes na conversão de substratos em proteínas e uma fonte de alimento com um baixo impacto ambiental devido à necessidade limitada de terra arável e água, e têm um bom valor nutricional, mas serão estes argumentos suficientes para que os europeus os coloquem nos seus pratos?
Em Portugal, a Agenda Mobilizadora InsectERA, dinamizada por um consórcio de 41 entidades lideradas pela empresa Entogreen, está em marcha!